segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Caso de Amor


Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono ou por desprezo. Esta que eu ando nela agora é por abandono. Chega que os espinheiros a estão abafando as margens. Esta estrada melhora muito de eu ir sozinho nela. Eu ando por aqui desde pequeno. E sinto que ela bota sentido em mim. Eu acho que ela manja que eu fui para a escola e estou voltando agora para revê-la. Ela não tem indiferença pelo meu passado. Eu sinto mesmo que ela me reconhece agora, tantos anos depois. Eu sinto que ela melhora de eu ir sozinho sobre seu corpo.
De minha parte eu achei ela bem acabadinha. Sobre suas pedras agora raramente um cavalo passeia. E quando vem um, ela o segura com carinho. Eu sinto mesmo hoje que a estrada é carente de pessoas e de bichos... Eu estou imaginando que a estrada pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem esquecida. Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós. Mas eu ensino para ela como se deve comportar na solidão... Numa boa: a gente vai desaparecendo igual ao Carlitos vai desaparecendo no fim de uma estrada...Deixe, deixe, meu amor.

Manoel de Barros

3 comentários:

Anônimo disse...

Professor, talvez o mais adequado fosse que um professor de português me ajudasse, mas acredito que através de seu olhar "histórico" consiga me ajudar na questão abaixo. O gabarito é C e por mais que eu leia, não consigo entender o pq...rs..poderia me ajudar?
Texto 3
“ Uma estrada é deserta por dois motivos: por abandono
ou por desprezo. Esta que eu ando nela agora é por
abandono. [...] Sobre suas pedras agora raramente um
cavalo passeia. [...] Eu estou imaginando que a estrada
pensa que eu também sou como ela: uma coisa bem
esquecida. Pode ser. Nem cachorro passa mais por nós.”
(“Caso de amor” IN: Memórias inventadas: a Infância. Manoel de
Barros, São Paulo, Planeta, 2003)
14. O texto 3 se constrói sobre uma oposição entre o
presente e o passado da estrada. O segmento em
que tal oposição se torna explícita é:
A) Uma estrada é deserta por dois motivos...
B) Eu estou imaginando que a estrada pensa...
C) Nem cachorro passa mais por nós...
D) Esta que eu ando nela agora...

Helio de Moraes, Professor de história. disse...

Olá, anômino! (uma pena não ter se identificado...)

De qualquer forma fico muito contente por você estar aqui e ainda deixar esta quastão!
Sobre a resposta que vc afirma ser "C", eu justificaria dizendo que há mesmo uma oposição entre um tempo passado e o presente na frase "Nem cachorro passa mais por nós". Veja: algo já passou ou costumava passar - isto é passado. E no presente nem cachorro passa mais por nós.
É como um blog que antes fora bastante visitado e no período de férias não recebe mais visitas.
Uma rara exceção é a sua passagem por aqui. Obrigado!
Abraços,
Helio.

Anônimo disse...

Vlw, professor.
A resposta foi bastante esclarecedora. Obrigada.
Qdo tiver um blog tão interessante qto o seu, deixo meu endereço.
Abss