quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Uma história iluminista

História de um Brâmane*

Durante minhas viagens encontrei um velho brâmane – homem muito sábio, cheio de espírito e erudição; além do mais era rico, e portanto, mais sábio ainda.

Perto de sua moradia morava uma velha hindu, muito devota, nada esclarecida e extremamente pobre.

Um dia o sábio me disse que preferia não ter nascido. Perguntei-lhe por quê.

- Faz quarenta anos que eu estudo, ensino aos outros e ignoro tudo! Não sei por que existo. Sou feito de matéria, penso e nunca pude saber o que produz o pensamento em mim. Esse estado me enche a alma de tanto desgosto que faz com que minha vida seja insuportável.

O estado desse homem me causou verdadeira compaixão: ninguém tinha mais senso e boa fé. Compreendi que, quanto mais luzes havia no seu entendimento e mais sensibilidade no seu coração, mais infeliz era ele.

Vi no mesmo dia a velha, sua vizinha: perguntei-lhe se alguma vez havia ficado aflita por querer saber como era a sua alma. Ela nem entendeu minha pergunta. Jamais em sua vida refletira um instante sobre um só dos pontos que atormentavam o brâmane.

Impressionado com a felicidade daquela pobre criatura, voltei ao meu filósofo e lhe disse:

- Não te envergonhas de ser infeliz, quando mora à tua porta uma velha que não pensa em nada e vive feliz?

- Tens razão – respondeu-me ele. – Mil vezes eu disse a mim mesmo que seria feliz se fosse tão tolo como a minha vizinha, contudo não desejaria tal felicidade.

Diante da resposta do sábio, pensei ainda: aqueles que estão contentes consigo mesmos estão bem certos de estar contentes; mas aqueles que raciocinam não têm tanta certeza de raciocinar bem.

E até hoje não encontrei ninguém que aceitasse se tornar imbecil para se sentir contente.

Daí concluí que, se damos valor à felicidade, damos mais ainda à razão.

Referência bibliográfica:
Adaptado do livro “Contos de Voltaire”, Editora Nova Cultural, 2002, pág. 235-239.

* Membro da casta sacerdotal, a primeira das castas hindus. (Nota do Tradutor)

Se você veio até aqui, merece saber que este texto faz parte da avaliação de amanhã. Leia de novo. Amanhã vamos conversar sobre ele.

Abraço!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Jogando luz sobre o Iluminismo de Rousseau

O filósofo brasileiro Bento Prado Jr., faz uma leitura sobre o Iluminista Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e encontra um autor para o qual a "força da linguagem não está na sua capacidade de reproduzir com fidelidade idéias, sentimentos, coisas, mas nos seus efeitos sobre quem ouve".

Esta idéia, publicada pela Folha de São Paulo no último sábado, 06/09/2008, no carderno Ilustrada, pode nos servir para reforçar a imagem que está presente no "Discurso sobre a origem das desigualdades entre os homens".

Podemos pensar que foi o efeito sobre os outros, da força da fala daquele que primeiro cercou um pedaço de terra e disse "isto é meu!", encontrando, segundo Rousseau, pessoas suficientemente fracas para acreditar nisso, a origem das desigualdades entre os homens.

O efeito é aquilo que se causa ao outro. Neste episódio imaginado por Rousseau, os outros homens que dão ouvidos áquele que diz ser sua a terra, não foram fortes para dizer que o fruto da terra não é de um só, que a terra, portanto, é de todos. Talvez se o tivessem feito, estaríamos aqui hoje falando do efeito que esta última fala teve sobre a origem da igualdade entre os homens.

Comente este texto. A discussão sobre a desigualdade entre os homens pode fazer parte dos debates atuais ou está muito bem localizada no âmbito do Iluminismo?