Aos alunos dos 10ºs anos:
O Feudalismo: um horizonte teórico (sinopse), de Alain Guerreau.
O Feudalismo: um horizonte teórico (sinopse), de Alain Guerreau.
O objetivo do texto é elaborar um esquema do funcionamento-evolução do feudalismo na Europa.
Há
quatro eixos para reflexão:
- A relação senhores/camponeses.
- O parentesco artificial, complementar à primeira relação.
- As coações materiais do sistema (sobretudo o modo de ocupação do
solo), determinantes do seu tamanho e das articulações internas.
- Análise da única instituição que foi do tamanho do sistema: a
Igreja, síntese e pedra angular de todo sistema.
1- A relação de dominium
É uma relação de poder (sobre a terra e
sobre os homens), não de direito (este supõe uma estrutura estatal). Não há
conotação econômica no emprego das palavras, mas religiosa (“dominus”,
senhor, figura essencialmente no vocabulário eclesiástico).
Não há um termo exclusivo para designar os
“camponeses”; eles são designados de acordo com o grau de fixação à terra (agricolae,
villani, vicini, coloni, etc.); a ligação dos homens ao solo é o principal
elemento das relações de produção feudais. A oposição marxista senhores x
camponeses é simplista; a relação é muito mais complexa, polimorfa e
plurifuncional, com várias feacetas (econômica, política, parental, religiosa,
etc.)
2- Parentescos
artificiais
O parentesco não tem nada de natural,
varia de acordo com a sociedade. O termo medieval “família” pode significar o
“conjunto de servos dependentes de um senhor”, um casal ou o conjunto de monges
de um mosteiro, entre muitos outros significados.
A
sociedade feudal é baseada na exogamia, e como tal estabelece relações de
reciprocidade entre diferentes grupos que pode incluir ajuda material ou
militar.
É
muito importante a figura do “padrinho de batismo” (parentesco espiritual), a
ponto de chegar a adotar o apadrinhado como filho. São igualmente importantes
outras formas de parentesco artificial, como o pertencimento a uma confraria ou
fraternidade. O pseudoparentesco, base da estrutura eclesiástica, é mais
importante que o parentesco biológico no contexto da sociedade feudal.
3- O sistema
feudal como ecossistema
Uma
das condicionantes mais importantes da agricultura reside nas vicissitudes
climáticas, sobretudo o inverno; a ponto de serem as condicionantes das coações
sociais (decisões como o que e onde plantar; o que e onde armazenar, etc.).
Além
da taxação sobre os produtores diretos, há duas formas de acumular riquezas: a
pilhagem e o comércio. O comércio envolve grande risco, implica na entrega de
parte dos lucros aos aristocratas e é contraditório com as bases do sistema
feudal (tanto que a ascensão dos comerciantes a uma posição predominante será
condição prévia para a implantação de um novo sistema econômico). A guerra, no
entanto, é o principal fator de coesão do sistema feudal; a expedição militar é
o meio por excelência de tornar efetivos os laços hierárquicos e horizontais.
Conquistas territoriais permitem recompensar dependentes fiéis com terras e
posições na hierarquia que vão reforçar as estruturas de poder; essas relações
são suplementadas com alianças matrimoniais.
4- A dominação
da Igreja
A
Igreja é o cimento que une todas as partes do sistema feudal. Ela exerce
controle sobre do tempo, os espaços, os laços de parentesco, o sistema de
ensino, os hospitais; isso sem falar na sagração dos reis. Liturgia, teologia e
arquitetura religiosa contribuem para a obra de sacralização do sistema feudal.
Todos
os aspectos do sistema feudal europeu são dominados pela Igreja: ao controlar o
ensino e o parentesco ela controla sua reprodução; ao estabelecer os
fundamentos da relação de dominium, controla as relações de
produção.
Esboço
da dinâmica feudal
Os
francos chegam à Gália como resultado da desagregação do sistema romano:
desaparecem o comércio, a autoridade pública, o país fragmenta-se em vários
domínios.
A
partir de Clóvis prevalece a organização baseada nos princípios tribais
germânicos. É a 1ª. lógica feudal: grandes domínios quase autônomos, nas mãos
de aristocratas agrupados em confederações muito frouxas baseadas em relações
de fidelidade e parentesco.
É
o estreitamento dos laços com a Igreja que vai conferir uma certa coerência ao
conjunto. A exogamia vai tornar a sociedade mais homogênea.
O
constante retalhamento dos domínios vai produzir uma anarquia interna que trará
duas conseqüências: o fortalecimento da Igreja (que chega ao auge do poder no
século XII) e da coesão da aristocracia, que vão levar a partir do século XIII
ao nascimento do Estado feudal.
O
feudo, nesse sentido, é uma forma transitória dentro do grande movimento que
leva à constituição das monarquias. O novo estado vai produzir conflitos entre
os feudos e as novas oligarquias urbanas; a dinâmica própria dos senhores
feudais será transmitida aos novos estados, que vivem em guerras (Guerra dos
100 anos, etc.).
Estabelecidos
os grandes domínios feudais, afirma-se a paróquia como marca do novo quadro
social espacial; ela será também a célula base da nova estrutura estatal. Do
século XIII ao XVIII há um movimento de integração crescente que vai fazer
amadurecer as contradições, levar ao desaparecimento das relação de dominium e
o aparecimento de mecanismos políticos e de uma forma de estado dominada por
uma classe definida por características econômicas.
Texto original do Professor Marcelo Campos (PUC de Campinas).
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