Neste 12 de outubro, dia significativo para o encontro entre os europeus e os ameríndios, publico um recorte que fiz de um capítulo do livro "Pessoas
Extraordinárias", do historiador Eric Hobsbawm. Ele é um ponto de vista
que, de alguma forma, contrasta com a abordagem de Bartolomeu de Las Casas,
cujo texto levo esta semana para a sala de aula... Boa leitura!
O VELHO MUNDO E O NOVO: QUINHENTOS ANOS DE COLOMBO
No início de 1992, pediram-me no México para assinar um protesto contra
Cristóvão Colombo, em nome das populações nativas originais das ilhas e dos
continentes americanos, ou melhor, de seus descendentes. Compreendo os
sentimentos que inspiram tais gestos, e sou solidário, mas pareceu-me, e
parece-me, que o único objetivo de protestar contra algo que aconteceu há meio
milênio é conseguir um pouco de publicidade para a causa de 1992, em vez de
para a de 1492. As conseqüências das viagens de Colombo e de seus sucessores
são irreversíveis. Os sofrimentos impostos aos americanos nativos ou aos
africanos importados são inegáveis e não podem ser anulados em retrospecto. Não
se pode negar que o impacto da conquista e da exploração sobre as populações
foi catastrófico. Não obstante, não podemos anular a história, mas apenas
lembra-la, esquece-la ou inventa-la. Todos os que vivem nas Américas hoje,
foram moldados pelos quinhentos anos que decorreram desde a viagem de Colombo.
Mas também o foram todos os do Velho Mundo, embora de maneira raras vezes
consciente.
A contribuição mais importante das Américas ao Velho Mundo foi distribuir pelo
globo uma cornucópia de produtos selvagens e cultivados, especialmente plantas,
sem as quais o mundo moderno tal como o conhecemos não seria concebível.
Pode-se argumentar que isso não tem nada a ver com cultura. Mas o que
cultivamos e comemos, sobretudo quando há um novo tipo de víveres desconhecido
em nosso cotidiano, ou mesmo uma forma completamente nova de consumo, deve
influenciar, pode até transformar, não só o nosso consumo, mas o modo como
vivenciamos outros assuntos. Considerem-se apenas os víveres básicos. Quatro
dos sete produtos agrícolas mais importantes no mundo de hoje são de origem
americana: a batata, o milho, a mandioca e a batata doce. (Os outros três são o
trigo, a cevada e o arroz).
(…)
Mas, e os produtos do Novo Mundo que não foram meros substitutos de coisas já
consumidas no Velho Mundo, mas abriram novas dimensões, novos estilos sociais?
Chocolate, tabaco, cocaína? Ou que se tornaram ingredientes básicos de
novidades como o chiclete, a Coca-Cola (mesmo que tenha tirado a cocaína de sua
composição original) e a tônica do gim-tônica? E as significativas
contribuições à farmacopéia médica do mundo, como o quinino, durante muito
tempo a única droga capaz de controlar a malária? E os girassóis que Rembrandt
e Van Gogh pintaram, os amendoins sem os quais a sociabilidade ocidental
moderna seria incompleta - para não mencionar seu uso mais prático como fonte
importante de óleos vegetais?.
(…)
Em suma: estamos falando de produtos do Novo Mundo que eram desconhecidos e
impossíveis de se conhecer antes da conquista das Américas, mas que
transformaram o Velho Mundo de maneira imprevisível e profunda.
O que quero enfatizar é que esses produtos não foram simplesmente “descobertos”
pelos europeus, e menos ainda procurados deliberadamente, da maneira como os
conquistadores procuravam ouro e prata. Eram produtos conhecidos, colecionados,
sistematicamente cultivados e processados pelas sociedades indígenas. Os
conquistadores e os colonos aprenderam a prepará-los e usá-los nessas
sociedades locais. Na verdade, teria sido difícil ou talvez impossível
sobreviver, caso os colonos não tivessem aprendido com os nativos. Até hoje a
grande festa simbólica, o dia de Ação de Graças, registra a dívida dos
primeiros colonos para com os índios, os quais a civilização branca subseqüente
se encarregou, em troca, de expulsar. (…)
Meu argumento é que o verdadeiro significado e natureza do encontro de
culturas, inaugurado quando Colombo aportou nas primeiras ilhas do Caribe, não
pode ser entendido comente em termos de história convencional. Se perguntarmos
o que a Europa conseguiu com a conquista do Novo Mundo, a resposta óbvia é a expansão
de alguns países no lado ocidental do continente, por meio do governo imperial,
da riqueza extraída do trabalho dos índios e dos africanos, e do povoamento de
migrantes e colonos provenientes de países da Europa, ao estabelecerem novas
Castelas, novos Portugais e, mais tarde, novas Inglaterras. É significativo que
a data da descoberta da América por Colombo seja também a data da conquista de
Granada e da expulsão dos judeus da Espanha. O ano de 1492 marca o início da
história mundial eurocêntrica, da convicção de que uns poucos países europeus
centrais e ocidentais estavam destinados a conquistar e governar o globo, a
euro-megalomania.
Mas outras consequências diretas da conquista e da colonização das Américas
ainda estão conosco. Não pertencem a homens famosos nem a governos. Mas
transformaram o tecido da vida européia para sempre. E também a de outros
continentes. Quando a história econômica, social e cultural do mundo moderno
for escrita em termos realistas, a conquista do Sul da Europa feita pelo milho,
do Norte e Leste da Europa pela batata, e das duas regiões pelo tabaco, e mais
recentemente pela Coca-Cola, parecerá mais proeminente do que o ouro e a prata
em nome dos quais as Américas foram subjugadas.
HOBSBAWM, Eric. O velho mundo e o novo: quinhentos anos de Colombo. IN: Pessoas
extraordinárias: resistência, rebelião e jazz. São Paulo: Paz e Terra, 1998. p.
405-414.